(O conteúdo deste blog é de autoria inviolável de Alessandro Vargas, sendo parte consubstancial de sua idiossincrasia) (contém partes da obra "Velhos Invernos e Dias de Diamantes")
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Um doce dia para Ananda - Lascívia (Parte 2)
Lascívia era amiga de Ananda, e ela a influenciava de certo modo; e para muitos, Lascívia era algo mais que um encanto de menina. Não que esta fosse desatinada, não, de modo algum, apenas se levava pelos afãs de sua alma. Deixava galopar os cavalos da sua vontade própria sem as interferências do mundão rude lá fora. Ananda sonhava ser aquilo tudo, talvez fosse demais, talvez fosse muito pra sua alma ainda vazia, mal sabia o que se achegaria.
Lascívia enamorava-se de um rapaz, e quando do início do romance de Ananda com, vamos dar um nome ao outro, ou melhor, a mim mesmo... Não sei. Acho que "Dom" é um bom nome e eis que surge o nome, o meu nome. Pois bem, quando Lascívia teve envolvimento com um tal rapaz, e Ananda mal começara seu romance com Dom, a amiga sugeriu que fossem os quatro, a um campo de futebol, jogar bola? Errado. O campo era antigo e, de certo modo, até assustador; haviam eucaliptos que guarneciam a longa entrada que fazia chegar ao reles estádio, sem antes ter que passar por um terreno baldio, coberto de mato, com exceção do estreito trieiro que fazia a conexão ao recinto. A idéia, a princípio, era que nos conhecessemos melhor, até por que, segundo Ananda, Lascívia e o outro eram assíduos frequentadores desse bizarro local, contudo me privaram dos detalhes mais imprescindíveis.
O combinado era que Dom fosse primeiro, às três da tarde, e aguardasse a chegada dos demais, e como este era completamente apaixonado por Ananda, aceitou a proposta. Fez o tortuoso caminho a pé pelo trieiro obscuro, sentiu-se só ao chegar no velho estádio, pensava em Ananda, nos seus olhos, tão verdes; olhou para o lado e vislumbrou um lago de água marrom onde jaziam galhos secos em seu meio. Andou mais um pouco, sentou-se na arquibancada a contemplar o velho campo, agora cheio de ervas daninhas, inclusive algumas bem altas já pela falta de uso. De repente algo avassalador atingiu sua memória; lembrou-se de uma história, e sabia verdadeira, que num passado não muito recente, alguns meninos jogavam futebol naquele campo e que, já no fim do jogo, um dos garotos caíra morto no gramado, fatalmente acometido por um ataque cardíaco fulminante. A cena era triste, de fato. Contudo, neste momento o que mais fazia lembrar na mente de Dom era que os outros garotos diziam que às vezes, no fim da tarde, era possível ouvir um barulho como se alguém estivesse chutando uma bola no tal campo e o barulho da rede ao receber a bola, por sua vez, e pra piorar, quando era possível ouvir esses barulhos não havia uma só pessoa dentro do dito campo; segundo os garotos era típico do jovem finado ficar chutando ao gol, sem goleiro, quando em vida.
A idéia era assustadora, Dom não sabia o que fazer, se remexia no lugar, tapava os ouvidos, olhava para o lago, o que sabia era que não queria ouvir os tais barulhos, e ainda mais que saberia teria que correr por mais da metade do campo até chegar ao velho trieiro que dava acesso à rua. Se não fosse por Lascívia não estaria ali, tinha que culpar alguém, como era burro, pensava, culpava a si mesmo, burro e ainda por cima medroso, terrivelmente medroso. Mas e Ananda? Teria ela um pouco de culpa porque assentiu com a idéia de Lascívia? Jamais, Ananda jamais teria culpa. O pior era que a hora não passava, talvez porque viera sem relógio, mas não passava, e eles não chegavam. Será que me dariam o bolo? Estariam rindo de mim agora? Talvez me vendo de loge... E o fantasma, será que ia bater uma bola logo hoje que estou só aqui? E agora?
Não cairia mais em ciladas de mulher, estratagemas nefastos, aos quatorze anos e já sofrera uma enorme decepção, será que era preciso mais uma? Havia composto canções para Ananda ainda na escola, a vigiava na educação física desde uns três anos atrás, e à primeira vista choquei-me com seu encanto inexprimível. Colocava a mão nos ouvidos, não quero ouvir os sons, mas ainda ouvia os passarinhos e o vento nas folhas das árvores. Onde eles estão? Nas festas da cidade, eu corria atrás das irmãs de Ananda e sempre perguntava por ela, mas sempre diziam "Ananda é nova demais, espere mais um ano." E agora que consigo uma chance estou aqui sozinho, aflito, tenso, com medo... Traído? Num momento dissipou-se de todo o mal estar, ao longe vi três figuras conhecidas seguirem pelo estreito caminho; a silhueta de Ananda era inconfundível, possuía quadris superiores aos das meninas de sua idade e até mais velhas que ela, e cabelos cacheados e pele alva como uma atriz de uma minissérie que estava no ar. Perfeita!
O temor passara de todo, creio que nem lembrava mais da tal história assombrada. Mas mais tarde outro temor se achegaria, e se achegaria outras vezes, e por conseguinte o mataria, não a Dom, mas o romance que mal e mal começara.
Tão logo chegaram os três, após um breve cumprimento Lascívia e seu par saíram rapidamente e de mãos dadas para um canto do estádio, onde em breve, não pude mais vê-los; é, deviam conhecer mesmo o local, e deixaram-me a sós com Ananda. Era nosso primeiro encontro em um local assim. Não sabia como proceder, sentamo-nos na velha arquibancada. Após minutos angustiantes de silêncio começamos a conversar, as conversas eram vagas e desencontradas, às vezes sorríamos. Dom não conhecia o âmago de Ananda, seus interesses ou desejos mais íntimos, nem sabia que os tinha!Por Deus! Se soubesse, quantas e quantas vezes as duas amigas dormiam juntas na casa de Lascívia e passavam a noite a dividir segredos e fantasias a respeito dos homens. Mesmo que virginal, Lascívia nutria uma admiração por Dom, uma vontade de tê-lo em sua cama, aconchegá-lo em suas pernas fartas, experimentar o que até então eram só palavras da experiente Lascívia. E a conversa transcorria monótona quanto o momento, a falta de movimento, as mãos atadas. Dom tinha uns cd's em mãos que pretendia emprestá-los a sua amada e assim o fez. Após algumas horas de inércia quase total, o desfecho. Uns beijos e já era dada a hora de ir-se embora.
Nunca mais vi meus cd's e tampouco Ananda, não nessa mesma ordem, ainda tive um ultimo encontro com ela, não tão menos cretino, aquele da alça traiçoeira. Ainda não acabou. Um dos artistas do cd cantava assim "Remember today, i've no respect for you... and I miss you love...", mas no meu caso foi exatamente o contrário. O respeito acabou comigo. Mas a música era boa, doída, mas boa.
Fico só pensando no desapontamento de Ananda naquela tarde. E o meu comigo mesmo? Esquece.
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2 comentários:
Continue... continue.. quero ler mais!!!
Obrigado minha amiga Ale, real Luz, hoje devo continuar o conto... Obrigado por ter gostado. A continuação se chamará, Um doce dia para Ananda - O Dom de Ananda (parte 3). Beijos e abraços!!!
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