quinta-feira, 24 de abril de 2008

Feito Gato



Acordo, o dia claro.
Céu azul de ficar em casa.
Frescor nítido e abalsamado.
Pés para o alto.

Cansado, mas não de fatos.
Sim de nadas exatos.
Cansado, mas não pra ficar deitado.
Aproveitar para andar feito gato.

Recai sobre o peito o tédio que não se encerra,
Ressai o defeito como um remédio deletério,
Se se acomoda com a moda que transborda e vitupérios
caem sobre as bordas uns arremedos de despautérios.

Avolumam-se as nostalgias contumazes,
Assemelha-se aos transeuntes execráveis,
Comete as hipocrisias mais audazes,
Foge para lugares insalubres.

De tanto cansado, mas não de fato,
Fugiu, se sentiu isolado.
Dor de cabeça, decapitado.
Fugidio, vadio feito gato.

É só um único ápice álacre
Como num gozo fortuito.
Gosto acre quando obtido o vértice.
Mais ainda se fosse gratuito.

Acordo e entro num acordo.
Acomodo a meu modo num cômodo.
Mudo o modo das coisas.
A moda e o mundo anacrônicos.

saio de soslaio da ala.
Corro pela alameda sozinho.
Alardeia-se por toda a sala.
Saio da sala sozinho.

Hoje é querer ficar em casa.
Hoje é matar o dia, a aula, o exato.
Hoje é o ontem que se repete,
Hoje é dia de sair feito gato.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Cada um com sua cruz


Cada um carrega sua cruz
Engendra agonias
Tem Joãos, Josés e Jesus
Inclusive Marias...

Todos envoltos
Em desassossego
Em tempestades
O dia todo.

Como dizem
Só lamentos
Prantos aos cantos
Tremendo
Sobram-se aos cantos remendos.

Ninguém lamenta mais nada
Só cortesias
Ninguém te afaga
Se afaga, mais nada.



Se foi o tempo da preocupação
Agora só auto-ajuda
Com pitada de auto-exílio
Solidão sem cura
Vício.

Como insetos em rumo da luz
Batendo de testa
Seguindo cada um com sua cruz
Numa longa estrada de terra
Como Joãos, Josés e Jesus
Marias, Mateus e Robertas...

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Cotidiano


Trabalho.
Que há que se fazer?
Engraçado.
Acordar cedo. Viver.

Vejo pessoas molhadas, nas ruas e praças
Praças iluminadas
Passos e poças.



Pessoas comuns, e pessoas correndo
reparo alguns.
Estão se molhando.
Nem me atento que também estou me molhando.

O dia molhado.
Mas teve sol.
A noite naufragada.
Gotas de sal.



Quando de carro, vi mundo fosco.
Saí de carro, apesar de desgosto.
Mundo caro.
Vidro tosco.

A vida de rosca.
O sol na gaveta.
O mundo tá russo.
Roleta russa.



Mas se bem que colorido.
Gente sorrindo.
Mesmo na chuva.
Bem sem sentido.

Aliás, caras de nada.
Nem insatisfações, nem sonhos,
Nem dias risonhos,
Nem sonhos de padaria.

domingo, 13 de abril de 2008

O Guardião


Passo o dia inteiro com o escudo içado
O ferrão agudo
O protetorado
Feminino mundo.

Tento protegê-la mas lâminas de aço
Ela é tão meiga
Se simples abraço
Corto suas veias.

Tenho um castelo em que guardo almas
Ela é mais uma
Nenhuma é tão calma
Haverão muitas.

Só dou abrigo, e as almas procuram
Mas depois me abandonam
Quem as entende
Amanhã retornam.

Minha espada é um carinho sutil de afago
Que posto em sua testa
Meu amor feito dor é um estrago
Que Ama e detesta.

Promovo-lhe a guerra e o disparate
Mesmo assim abre fogo em minha cara
Corre pra cima do embate
A guerra não pára.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

No Meio de Um Coração

(Dedicado a Renata Souto de Oliveira Gazeta)

Escreveu o meu nome no meio de um coração
Irá se apagar, logo vai se apagar...
O vento sopra, o vento é vilão,
Escreveu o meu nome na beira do mar...

Escreveu o meu nome na areia da praia,
Escreveu o meu nome na caneta do dedo,
Escreveu o meu nome porque vai se apagar,
Escreveu o meu nome porque não tinha medo.

Tinha solidão, mas companhia do mar,
Fazia tempo que assim se sentia,
O vento, vilão, a cantar, a cantar,
Por isso escreveu-me na beira mar.

Deixou-se sozinha um minuto a pensar,
Enquanto isso, a maresia;
Escreveu o meu nome, sem ver, nem pensar,
Escreveu o meu nome porque a mim só sentia.

Deixou-me sozinho, quer dizer, o meu nome,
E logo após isso, pô-se a caminhar,
Na areia da praia tudo se consome,
por isso escreveu-me na areia do mar.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Ela


Ela é tão imaculada quanto uma meretriz
Ela é tão virginal quanto a boemia
Ela sabe ser feliz
Ela tem alegria!

Ela é mais saudável que um copo de Whisky
Mais feliz que escalar o Everest
Ela disse que há quem se arrisque
E há quem diga que não preste



Ela é virginal e rezo pra ela
E Ajoelho-me frente aos seus
Ela não é nenhuma donzela
Mas eu também não sou nenhum deus

Ela não se irrita, nem se compadece
Sempre é fogo, sempre é carne
Sempre atende a minha prece
Sempre está por toda parte

Ela é inocente e leviana
É bandida e é criança
Ela brinca com seu corpo
Ela ri na sua dança

Sua lágrima é só uma vez
Suas unhas só prazer
Ela é o que ela fez
Ela é o que quiser

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Poema sem nome


Só o saber da possibilidade já é feliz,
Apraz-se de tal modo que se esclarece os vieses. Torna opacos os abraços mais ínfimos.
Desvanece o compadecer de longínquos pesares em singelos pululares de outroras vivazes.

Acredita como nunca creu na idiossincrasia morfética da critica sobressalente. Vive sentidos amorfos.
Sobressai-se da massa existente até por conta da massa encefálica inerente. Segundo encefalograma.

Congelou-se um passado tão quisto até por suas raízes de complexa inclusão no meio humano; sobrevive das reminiscências.
Ludibriou-se dos prazeres, da concupiscência, da volúpia de inúmera tez. Outra vez.

Inebriou-se no agridoce sabor de vinho que a juventude proporciona feito uma festa que o fim é estrada solitária.
Enfim, apesar de que nunca há enfim se o fim é abertura para horizontes mais amplos que os da visão; segue o rito e cumpre a seqüência de séculos, imutável, mutável, curta, porém eterna.

O Ano Inteiro


Dormiria o ano inteiro, se não fosse o dinheiro;
Calaria minha boca pra não entrar mosca;
Abraçaria a almofada e dormiria tranquilo,
Acordaria de madrugada só pra beber água.

Dormiria o mês inteiro, se não fosse o dinheiro;
Roncaria sem medo, até contaria segredos,
Acordaria bem cedo só por um pesadelo,
E não teria mais pressa em arrumar o cabelo.

Domiria o dia inteiro, se não fosse o dinheiro;
Se não fosse o mundo a exigir emprego,
Se não fosse os jornais, o desassossego,
Se não fosse você, eu e o apego.

Dormiria algumas horas, se fosse possível,
O mais incrível é que não tenho vontade,
Dormiria em hotel, motel, qualquer leito,
mas não posso dormir pois não tenho dinheiro.