quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O último ato


Preparado pra batalha
De espada e navalha
Um sorriso na cara
A idéia não falha.

Um escudo içado
O braço maior que o seu
Enfim restaurado
O fim será seu.

Soldado do meu ego
Luto com armas descomunais
Luto com armas de ferro
E com garras de animais.

Fujo tão rapidamente
Que você nem se apercebeu
Que controlo sua mente
E o jogo perdeu.

Ainda vou no seu encalço
Aguarde sem pressa e sem medo
Cuidado o passo em falso
Que sua cena termina mais cedo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um doce dia para Ananda - O Dom de Ananda (Parte 3)


Enquanto Dom cada vez mais se enternecia da figura quase angelical de Ananda, e já quase superado o trauma daquele encontro mal sucedido, esta por sua vez lutava para controlar as sensações que seu corpo experimentava, queria compartilhar com ele, ela carrregava o desejo no olhar, como ele não percebia? E não percebia. Dom só vislumbrava aquele estar junto, saborear os beijos de Ananda, passear de mãos dadas, observar o pôr-do-sol irradiar-se sobre os cabelos da bela em um banco de uma praça qualquer. Hoje sabia que a palavra Ananda é um termo sânscrito que significa felicidade suprema, e a Ananda que ele amava, já na época, lhe proporcionava exatamente o que o nome sugeria. O dom de Ananda era dar felicidade suprema ao próprio Dom. Mas para ela esse estado de consciência ainda não era pleno, pois o que seria da felicidade da alma se o corpo estava insatisfeito?
Lembrou-se Dom de que certa noite estivera com Ananda na velha praça da cidade e a beijava carinhosamente em meio aos transeuntes e recostado a um banco, a tenra idade o impedia de lances maiores, mas num instinto que surgiu como um feiche de luz numa floresta fechada, este beijou calorosa e umidamente o pescoço da jovem e ainda mordiscou-lhe o lóbulo da orelha, pôde sentir os arrepios, os pêlos se eriçavam e era possível percebê-los, com os olhos entreabertos pôde ver Ananda de olhos fechados e lábios entreabertos como que sussurrando algo a si mesma, mas de súbito Dom interrompeu aquilo, não sei, sentiu-se incomodado, parecia estar violando um segredo que não podia, ou ao menos não estaria preparado para descobrir. Ela abriu os olhos lentamente como que despertada de um encanto feito fogo que mal começara a queimar-se de todo.

Havia duas coisas em Dom que realmente encantavam Ananda: O sorriso e os beijos. Ah, o sorriso de Dom, para ela era como se o mundo mudasse de todo quando ele abria o sorriso, parecia que todos apreciavam, pois era tão puro, verdadeiro e encantador. Ele poderia armar as maiores travessuras no colégio, mas para Ananda era impossível alguém irritar-se com aquele Dom de sorriso largo, sempre. Quanto aos beijos? As noites eram quentes naquela cidade em que um dia estaria a milhares de quilômetros de distância, aquela pequena cidade; nessas noites ao lembrar dos beijos úmidos, intensos e demorados de Dom, se revirava no lençol da cama, abraçava o travesseiro com força, o colocava entre as pernas, e os beijos de Dom, as mordidinhas nos lábios, suava o seio pequeno e perfeito, mordia os dedos dentro da boca, umedecia-os, ora ousava um toque mais íntimo quando ainda molhados, ora agia com mais vivacidade. O frenesi era intenso.
Não que não houvesse o mesmo desejo no rapaz, de modo algum, ela a tinha como uma peça rara, uma relíquia que conquistara, afinal foi nada fácil convencer as irmãs de Ananda a permitirem aquele romance. Ia arriscar uma ousadia e perder aquilo que lutou por três anos para conseguir? Jamais.

Aquilo da alça fora premeditadamente arquitetado por Ananda, não era possível que não. Tínhamos combinado nos ver segunda, quarta e sexta e nos fins de semana ficava a combinar, e assim ocorreu. Naquela semana, Ananda foi todos os dias da semana na casa de Dom e na sexta ocorreria o fato. Geralmente ela chegava, ouvíamos música, às vezes comíamos alguns petiscos, conversávamos, nos beijávamos e pronto, logo ela ia-se embora e eu ficava a observá-la a caminhar. Os quadris largos, o belo sorriso, e de quando em vez ela se virava apenas para mandar um beijinho. Ele sorria, sorria e retribuía. Felicidade suprema.

Na sexta, por algum motivo, já estava tenso, algo me dizia que o romance caminhava para um ponto crucial, o fogo de Ananda já lançava faíscas sobre o meu rosto; seu corpo era um vulcão prester a explodir, melhor, era uma granada pronta para querer detonar, mas o estopim estava em minhas mãos.
Alguém que estivesse na sala, naquele momento veria, que, quando Dom estava beijando Ananda, de olhos fechados, compenetrado, esta remexeu um dos ombros para frente e para trás com delicadeza, e, sutilmente, a fina alça da blusinha cor-de-rosa sedosa deslizou pelo braço, Dom já estava beijando seu pescoço, e, ao abrir os olhos, pôde ver com perfeição um dos seios de Ananda quase que completamente exposto. O que fazer? O que fazer? Tinha que dar uma resposta, melhor, tinha que agir como resposta àquele fatídico e maravilhoso acontecimento. O tempo urrava exigindo a resposta e, mais inconveniente seria aquela situação perdurar sem qualquer reação de Dom. Mas a resposta não vinha. Creio que mordi os lábios, umedeci-os, a vontade mais lógica e intensa era acolher aquele seio pequeno e perfeitamente rijo nos meus lábios, ia brincar com ele, deslizar a língua por aquele bico róseo e tentador, provavelmente desceria a outra alça teimosa, faria de Ananda o doce mais saboroso da face da terra, e deveria ser provado com suavidade e sem pressa nenhuma. Contudo, a moça parece que percebia essa vontade e, creio hoje, até ansiava por isso. Ela já parecia deitar-se sobre o sofá esperando algo que não fosse o que foi feito, ou seja, nada.
Com a cara mais desapontada e infantil possível, Dom, com muito carinho, fez a alça voltar ao lugar de onde caíra. Sentiu-se tonto, mais tonto ainda, quando da afeição nada satisfeita de Ananda com sua atitude, ou sua falta de atitude. Mas era tarde, o destino, só age uma vez, pelo menos cria ser o destino. Não era.

Não consegui levar Ananda ao seu estado de ananda, e o dom de Ananda era fazer-me sentir cada vez mais apaixonado, e ao mesmo tempo, cada vez mais sem noção do que era realmente o certo a se fazer. Hoje sei que o certo nunca agradou muito a Ananda, nem tampouco a Lascívia, ou a Virgínia ou a quem quer que eu tenha conhecido. Contudo, o que de fato sei é que ainda hoje ela pode se vangloriar em dizer que eu sou o Dom de Ananda. E ela a felicidade, minha e suprema.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Um doce dia para Ananda - Lascívia (Parte 2)


Lascívia era amiga de Ananda, e ela a influenciava de certo modo; e para muitos, Lascívia era algo mais que um encanto de menina. Não que esta fosse desatinada, não, de modo algum, apenas se levava pelos afãs de sua alma. Deixava galopar os cavalos da sua vontade própria sem as interferências do mundão rude lá fora. Ananda sonhava ser aquilo tudo, talvez fosse demais, talvez fosse muito pra sua alma ainda vazia, mal sabia o que se achegaria.

Lascívia enamorava-se de um rapaz, e quando do início do romance de Ananda com, vamos dar um nome ao outro, ou melhor, a mim mesmo... Não sei. Acho que "Dom" é um bom nome e eis que surge o nome, o meu nome. Pois bem, quando Lascívia teve envolvimento com um tal rapaz, e Ananda mal começara seu romance com Dom, a amiga sugeriu que fossem os quatro, a um campo de futebol, jogar bola? Errado. O campo era antigo e, de certo modo, até assustador; haviam eucaliptos que guarneciam a longa entrada que fazia chegar ao reles estádio, sem antes ter que passar por um terreno baldio, coberto de mato, com exceção do estreito trieiro que fazia a conexão ao recinto. A idéia, a princípio, era que nos conhecessemos melhor, até por que, segundo Ananda, Lascívia e o outro eram assíduos frequentadores desse bizarro local, contudo me privaram dos detalhes mais imprescindíveis.

O combinado era que Dom fosse primeiro, às três da tarde, e aguardasse a chegada dos demais, e como este era completamente apaixonado por Ananda, aceitou a proposta. Fez o tortuoso caminho a pé pelo trieiro obscuro, sentiu-se só ao chegar no velho estádio, pensava em Ananda, nos seus olhos, tão verdes; olhou para o lado e vislumbrou um lago de água marrom onde jaziam galhos secos em seu meio. Andou mais um pouco, sentou-se na arquibancada a contemplar o velho campo, agora cheio de ervas daninhas, inclusive algumas bem altas já pela falta de uso. De repente algo avassalador atingiu sua memória; lembrou-se de uma história, e sabia verdadeira, que num passado não muito recente, alguns meninos jogavam futebol naquele campo e que, já no fim do jogo, um dos garotos caíra morto no gramado, fatalmente acometido por um ataque cardíaco fulminante. A cena era triste, de fato. Contudo, neste momento o que mais fazia lembrar na mente de Dom era que os outros garotos diziam que às vezes, no fim da tarde, era possível ouvir um barulho como se alguém estivesse chutando uma bola no tal campo e o barulho da rede ao receber a bola, por sua vez, e pra piorar, quando era possível ouvir esses barulhos não havia uma só pessoa dentro do dito campo; segundo os garotos era típico do jovem finado ficar chutando ao gol, sem goleiro, quando em vida.

A idéia era assustadora, Dom não sabia o que fazer, se remexia no lugar, tapava os ouvidos, olhava para o lago, o que sabia era que não queria ouvir os tais barulhos, e ainda mais que saberia teria que correr por mais da metade do campo até chegar ao velho trieiro que dava acesso à rua. Se não fosse por Lascívia não estaria ali, tinha que culpar alguém, como era burro, pensava, culpava a si mesmo, burro e ainda por cima medroso, terrivelmente medroso. Mas e Ananda? Teria ela um pouco de culpa porque assentiu com a idéia de Lascívia? Jamais, Ananda jamais teria culpa. O pior era que a hora não passava, talvez porque viera sem relógio, mas não passava, e eles não chegavam. Será que me dariam o bolo? Estariam rindo de mim agora? Talvez me vendo de loge... E o fantasma, será que ia bater uma bola logo hoje que estou só aqui? E agora?

Não cairia mais em ciladas de mulher, estratagemas nefastos, aos quatorze anos e já sofrera uma enorme decepção, será que era preciso mais uma? Havia composto canções para Ananda ainda na escola, a vigiava na educação física desde uns três anos atrás, e à primeira vista choquei-me com seu encanto inexprimível. Colocava a mão nos ouvidos, não quero ouvir os sons, mas ainda ouvia os passarinhos e o vento nas folhas das árvores. Onde eles estão? Nas festas da cidade, eu corria atrás das irmãs de Ananda e sempre perguntava por ela, mas sempre diziam "Ananda é nova demais, espere mais um ano." E agora que consigo uma chance estou aqui sozinho, aflito, tenso, com medo... Traído? Num momento dissipou-se de todo o mal estar, ao longe vi três figuras conhecidas seguirem pelo estreito caminho; a silhueta de Ananda era inconfundível, possuía quadris superiores aos das meninas de sua idade e até mais velhas que ela, e cabelos cacheados e pele alva como uma atriz de uma minissérie que estava no ar. Perfeita!
O temor passara de todo, creio que nem lembrava mais da tal história assombrada. Mas mais tarde outro temor se achegaria, e se achegaria outras vezes, e por conseguinte o mataria, não a Dom, mas o romance que mal e mal começara.

Tão logo chegaram os três, após um breve cumprimento Lascívia e seu par saíram rapidamente e de mãos dadas para um canto do estádio, onde em breve, não pude mais vê-los; é, deviam conhecer mesmo o local, e deixaram-me a sós com Ananda. Era nosso primeiro encontro em um local assim. Não sabia como proceder, sentamo-nos na velha arquibancada. Após minutos angustiantes de silêncio começamos a conversar, as conversas eram vagas e desencontradas, às vezes sorríamos. Dom não conhecia o âmago de Ananda, seus interesses ou desejos mais íntimos, nem sabia que os tinha!Por Deus! Se soubesse, quantas e quantas vezes as duas amigas dormiam juntas na casa de Lascívia e passavam a noite a dividir segredos e fantasias a respeito dos homens. Mesmo que virginal, Lascívia nutria uma admiração por Dom, uma vontade de tê-lo em sua cama, aconchegá-lo em suas pernas fartas, experimentar o que até então eram só palavras da experiente Lascívia. E a conversa transcorria monótona quanto o momento, a falta de movimento, as mãos atadas. Dom tinha uns cd's em mãos que pretendia emprestá-los a sua amada e assim o fez. Após algumas horas de inércia quase total, o desfecho. Uns beijos e já era dada a hora de ir-se embora.

Nunca mais vi meus cd's e tampouco Ananda, não nessa mesma ordem, ainda tive um ultimo encontro com ela, não tão menos cretino, aquele da alça traiçoeira. Ainda não acabou. Um dos artistas do cd cantava assim "Remember today, i've no respect for you... and I miss you love...", mas no meu caso foi exatamente o contrário. O respeito acabou comigo. Mas a música era boa, doída, mas boa.
Fico só pensando no desapontamento de Ananda naquela tarde. E o meu comigo mesmo? Esquece.

sábado, 24 de outubro de 2009

Um doce dia para Ananda - Pálida (Parte I)


A manhã feito um quadro da monotonia pintado a óleo e insensatez lúcida. Queria armar jogos de montar dos obstáculos adiante. Sempre adiante. Para entender é necessário saber que eu estou para a poesia como as folhas estão para uma árvore, bem como Ferreira Gullar para o poema sujo; apesar de haver árvores secas, mas estas são poucas.


A chuva grita sobre os telhados fazendo jorrar os pensamentos daqueles que a escutam em seus quartos, se imaginando sob a película úmida e tenra que a mesma proporciona a algum corpo cansado das letras nefastas. E o dia claro aqui.
Ainda é ainda. Daí o tempo não anda. Chora-se por que fui parar aqui, por que ir pra mais longe, buscar o horizonte. Caminhada tola sem nexo, busca-se a distância freneticamente para refugiar-se de si. Ainda está por vir, ainda está por vir. Queria vê-lo uma hora dessas, seria uma honra; pode fumar seu cigarro do tempo, que o deixa lento, lento... E você cansado. Eu deixo.


Ela não é mais ela, deixou de sê-la desde que parti. Traz consigo uma bolsa a tiracolo contendo batons e outros desmazelos. Em seus olhos leio a carta destinada a mim, o causador da sua intemperança. Tem expressões hostis. Uma música soa ao fundo em um quarto escuro contendo outras personificações de várias faces, e ainda a leio, e as faces se misturam, emaranham-se, se engolem todas, várias. Agora resta ler o resto. Sempre que pude tentei entendê-la, mas não de todo, não quero ficar louco. Ela é pálida feito as manhãs as quais teço, feito feixes de lua por entre galhos de árvores também soníferas, causam tanto frenesi quanto. Ela é, a propósito, o frenesi. Tem noites em que sai, desvairada, à procura daquilo que nem mesmo sabe. O vigor que torna rija suas carnes proporciona erupções de sentimentos sulfurosos e cálidos e passantes. Não se deixa de toda dominar apesar de ser presa fácil e saber disso. Não sei bem o que se passa no âmago das suas emoções, afinal, sou homem e só as mulheres o poderão saber e creio já o sabem ou imaginam ao menos.


Ele frente a ela sente-se um ser inerte como aquele que outrora fora subitamente acordado logo pela manhã e se deparara com aquela imensidão verde que o assaltou, aquele lago retínico e profundo e cheio de folhas secas subentendendo águas rasas. Geralmente águas assim matam aqueles que ousam mergulhar. Eu mergulhei. Não é que era vil ou vilã ou algo do tipo, creio agora que era uma mistura de tantas outras meninas da sua idade querendo crescer por conta própria, ignorando a coerência natural deste mundo. Quatorze ou quinze, quem o diria? Hoje penso que será que teria acontecido se tivesse aceitado ir tomar banho de rio, não de lago; aliás, nem sei o motivo que a levou a me fazer tal proposta. Por mais que reviva aquele ontem, o hoje é muito severo e me priva de detalhes imprescindíveis. Incrível.


Agora penso já não ser tão incapaz de saber seus sentimentos, pelo menos as emoções. Cria ser imaturo para essas inclinações, mas bem que tremi quando do escape da alça de seus ombros alvos por um movimento tão sutil que pensei fosse acidente. A queda desta mostrou-me as maçãs dos seios tão brancos quanto a face lunar, quase desvendando os bicos novos, rígidos, róseos, creio saborosos. Pensava naquele rosto tão simetricamente delicado misturando nuances entre mimo e rebeldia bem tênue, inexistência de lascívia que... Existia? O momento foi tão premeditadamente desprovido de conjeturações descabidas até a hora final em que o destino, o universo, sabe lá o quê, armou todos os estratagemas para aquele encontro fatídico às minhas costas. Fui joguete do acaso, marionete imberbe e tolo de algum ator sarcástico e perverso, e pornô também. Sujo, sujo!


Quando a presa chegara-me a casa, por alguma força qualquer, após um ou dois beijos dados, inocentes, pequenos, meus pais deram de ir à igreja naquela hora. Nem o vi. Estava tão compenetrado na visão daquele corpo lindo, fragrante, abalsamado, aromal, os sinônimos são pertinentes, toda redundância em se tratando dela será perdoada. Mas quanto aos meus pais? Não os vi saírem, aliás, vi, mas não percebi. Não vi, ora. Se soubessem o que passei, não vou dizer para tê-la ali, naquele rompante do improvável, mas para falar-lhe. Desde que a vi pela primeira vez, a via, como que ilusões crescentes às esquinas, várias, todas muito belas, multiplicavam-se em meus caminhos tão plúmbeos, e como por uma tentação deliciosa retribuía aos meus olhares tímidos, mas com fixação. Destemida.
Imaginava-me o durão, o inabalável, cruel até no trato com as meninas da minha idade que me escrutavam, perseguiam sobremaneira. Não gostava, mas via-me inúmeras vezes como o responsável de muitas lágrimas desperdiçadas nos corredores, salas, e muros do meu colégio. Sacrilégio.


Já fui autor de inúmeras peças sem pé nem cabeça encenadas por atrizezinhas de igual maneira excrescentes em seus papéis úmidos, lacrimosos. Não raro, ainda atuo, sem querer, mas atuo. O teatro é fascinante. Havia uma delas que ainda admitia sua constante atuação, vangloriava-se com a vida levada na dissimulação. Criança. Éramos crianças, disse-me ela há dias, agora adulta. (?)
Voltemos à minha sala de estar. Eu ao lado dela; meus pais saíram, beijos e, de repente, a alça traiçoeira da blusa caída do ombro macio, mostrando-me quase por completo a protuberância mais linda que já vi nesses meus vinte e um anos e oito meses de intensa existência, e o tempo parado. Coração parado, segundos, muitos segundos, muitos segundos, muitos segundos... Olhos nos olhos, respiração ofegante... Meus pais saíram, olhos verdes, castanhos... Ofegantes.


Vamos dar um nome a ela. Pensei em um, mas confesso já o tinha há muito e só aguardava o momento exato, ainda não sei se o é. Ananda, eis o nome. A-nan-da. O nome não me causa nada, aliás, causa nada; nunca conheci alguma Ananda, mas é esse o nome e pronto! Não me prenderei a nomes nessa narrativa, se é que isto pode ser considerado uma; podem julgar os críticos, que lerem, e se lerem, como qualquer viagem de um lunático ou até mesmo de um fingido que roteiriza aquilo que, na verdade, não vivenciou, não experienciou. Quer saber? Estou andando. Eu e Ananda.


Ananda era amiga de Lascívia que era irmã de Lavínia e de Virgínia. Lascívia ao contrário do que o nome apregoava era meiga, pura, não se fazia. Assim se dizia. Seus pais desconheciam o significado quando batizaram a menina, mas o que seria o significado senão convenções humanas aplicadas. Gostaram do nome, do substantivo e pronto.

(...)

AVISO AOS LEITORES!


Amigos leitores, venho informar-lhes que a partir de hoje desviarei o meu foco das poesias, mas apenas por um instante, uma vez que elas me perseguem, e publicarei crônicas e contos novos e antigos que agonizam em uma gaveta qualquer do meu tumultuado quarto.

Para não ficar enfadonho talvez, publicarei em etapas.

Espero que gostem.

Abraços fraternos.

(...)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O Amanhã


Se não for pra mergulhar dentro do beijo
Melhor que deixe de ser feito
Gosto de sentir-me em sua boca o desejo
Só você me envolve de um jeito.

Beijar é entrar no outro através dos lábios
Mergulhar no lago opaco das sensações
Voar através de nuvens em sonhos plácidos
Sentir um ao outro nas mesmas respirações.

Sufocar-se na falta de ar dos beijos úmidos
Inebriar-se na lascívia do momento e o afã
Esquecer os preconceitos e trejeitos tímidos
E viver um sonho vívido esquecendo o amanhã.

Sugar sua língua sentindo seus movimentos
Provar cada milímetro da sua pele tão meiga
Os momentos contigo pressinto serão tão intensos
E ao mesmo tempo sinto derreterem como manteiga.

Mas o acaso e o destino me levarão para ti
Consumarei de todo meu plano minha meta e intento
Farei muito mais além do que prometi
E se faltar algo que queira pode crer que eu invento.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Meu Cais


Solidão já não me adianta
Procuro um porto seguro
Cada panela tem sua tampa
Agora é isso que procuro.

Vivi dias de tribulações
E não tinha o leme à mão
Naufraguei nas emoções
Afoguei meu coração.

Mas são comuns as turbulêncas
Águas turvas e selvagens da alma
As ondas vem com violência
Destruir os rochedos da calma.

Foi-se o tempo dos mergulhos
Nos seus beijos confortadores
Hoje à volta vejo entulhos
Do que sobrou dos meus amores.

Procuro um cais pra não cair
Pra ancorar enfim ancorar
Um lugar, não mais sumir
fazer meu lar, contigo um par.

E há razão de achar meu cais
Quero um amor pra vida toda
Que não sofra nunca mais
Que habite a minha boca.

Não mais o náufrago de antes
Mas aguardo ancioso minha flor
Viveremos amando e amantes
Carregando a verdade e o amor.

Sem mais resquícios de tristeza
Só a beleza despontando à volta
Deixar levar-se com a correnteza
Dissipar trauma e revolta.

Quero levar-te pro mar aberto
E viver como se fosse acabar
Inundar de ti o meu deserto
E viver só pra te amar.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Notas

Algazarras se seguiriam
Almofadas entre nós
Algo mais que não sabiam
Alguém cala a nossa voz.

O que se sabia era bem pouco
O que se disse não o bastante
O que se via era bem louco
O que se lia era inconstante.

Truques


Ela se faz de menos inteligente
Só pra ver se me surpreende
Ela gosta dessas coisas
Será que você entende?

Ela é vitoriosa é um vulcão
Perto de mim deixa-me aceso
Mas sou tornado sou tufão
E nos seus braços sempre preso.

Tem conhecimento é culta e bela
Ela está sempre me espreitando
Quero sentir a língua dela
Quero sentir você me amando.

Dentro dela sou mais eu
Fora dela inexistência
O passado se perdeu
Mas já era decadência.

Tenho truques novos de amor
Preparados só pra ti
Ela é fogo é o meu calor
Foi por ela que caí.

Não conhecia nem metade
Do que você podia ser
Hoje em dia só saudade
Sem você nem sei viver.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Nosso amor


Na repartição tudo calmo
Um café pra pensar de soslaio
O coração partido ao meio
Foi o tempo do esperar desvairado.

Ele não voltará nunca mais
A certeza é gélida e pungente
Mas agora também tanto faz
O dia todo mexendo com gente.

Nem aquele dar saudade por estar longe
Nem ponte futura para aproximações
Seu coração sempre me esconde
Você não vive de passado e ilusões.

Mas lembro de na dor ter-me dito
Se for-se embora me ligue me avise
Mas como procederia se nem acredito?
É preciso que viva mas um dia analise.

Enquanto eu andei corri desnorteado
Sem o gozo das festas e ágapes de antes
Ao contrário fui oprimido e testado
Carrego o fardo pesado dos amantes.

Em frente aos prédios sentados falávamos
De um futuro juntos de planos
Não sei em que plano estávamos
Mas será que nos enganamos?

Sei de um que só espreitava à distância
Talvez esperando o desfecho final
Não importa é-me insignificância
Mesmo que hoje contigo afinal.

Nosso amor teve cheiro de presente novo
Aroma de festas, passeios e amor
Cheiro de carros, paixão, muito fogo
Lençóis bagunçados, hotéis e calor...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Aquele Tempo


Acredita que tinha um aroma?
Vê-la era uma expectativa tão boa
A viagem toda se passava num coma
Como num passeio de barco ou canoa.

E preparava-me no quarto marcado
Geralmente no mesmo hotel simples
Esperava ancioso estar logo do seu lado
Nada importava se temos mais que vinte.

Lembro-me da noite quente a primeira visita
E saímos afoitos atrás de um lar um leito
Você feliz como quem não acredita
E lembro tudo quando à noite deito.

Lembro do banho aguardando a ti
Pensava nos meios de você sentir-se amada
Você falava dormindo, ao lembrar sorri
E as mãos nas minhas sempre entrelaçadas.

Suas mãos brancas destoando as minhas
Minhas lembranças recocheteando todas
O medo e a dor sempre me avizinha
Quando aquele tempo insiste vir à tona.

Hoje guardo luminosidades e sombras
Naquele tempo estava estranho e confuso
Hoje sei bem que sua falta me assombra
Mas recomeço esquecendo esse passado obtuso.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Vodca, Diazepam e Nietzsche


Meu jogo é insólito
Mas não insosso
Sinto seu hálito
De menta em meu rosto.

O fogo é hiperbólico
E faço o que posso
Não me sinto bucólico
Do resto destroço.

E a posso em minhas mãos
E contenho segredos
Compus a canção
Quando a tive em meus dedos.

Desejo contido num átimo
Sinto-me ótimo e realizado
Ao te ouvir senti-me estático
Mas o corpo sabe o seu fardo.

E responde ao que faria de pronto
Consumo-te os fluidos todos
Não deixa-se fora de ponto
Consumo-te de todos os modos.

Até sua respiração aspiro forte
Pra captar e sufocar-te do jogo
A fé e a sensação conspira a sorte
Mas não vai desvendar-me de novo.

O sexo é desconexo mas não desconsertado
O resto é sempre o resto mas não desconcentrado.

O corpo é imune a moral e aos bons costumes
Sou amoral de todo e assumo
Mas vou ser sempre mal pra que não acostumes
Do resto me viro me garanto e me arrumo.

Do corpo é o sal e o doce do desejo
O frenesi o tremor é normal
Ao toque o sabor e o seu beijo.

Antes que acabe por inacabado
Um copo com vodca diazepam e um bom Nietzsche
O cansaço do corpo acabado
E faria de novo acredite.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O Precursor


O que ouvem ouvem por que ouvi
O que cantam cantam por que cantei
O que sentem o fazem por que senti
O que doam somente dão por que eu dei.

O que vestem vestirão por que eu vesti
O que penso pensarão por que existi
A alegria deles só há por que eu sorri
E morreram todos logo que eu morri.

Sim são mentiras por que a verdade eu omiti
O que era puro bom e sério guardei pra mim
Em meio a guerras e estilhaços sobrevivi
Agora não vem você falar que é o fim.

O que inventam acham que fazem por que eu fiz
As artimanhas e os trejeitos me viram fazer
E quando faz justo o que eu faço aí é feliz
Mas as façanhas e o meu espaço nunca vais ter.

O transgressor o disjuntor e o precursor claro sou eu
Não sinto dor não sinto amor não percebeu?
Aquela flor que um dia nasceu por ti já morreu.

O gerador das transgressões e o transgressor das gerações
Repetidor como uma dor tamanha nos corações
Um fardo pra ti obcecado por emoções.
Mando mais um dardo envenenado de ilusões.

sábado, 3 de outubro de 2009

Imagino


Imagino como tenha sofrido
As mãos brancas sobre o rosto molhado
Talvez tenha emagrecido
O quadro, as fotos, a ilusão, pálida.

Quem me dera ter crescido
Junto a ti os olhares sobre nossa casa
Hoje vejo destruído
Os pilares, os frutos, o coração dispara.

Não para o pensamento
Em ti cada momento, os segundos parecem horas
Não cessa o sofrimento
Lamento cada momento e sei que você chora.

As amigas, o deboche, as fantasias
O ultimo dia, a paixão e a histeria?
Onde foi parar tanto amor perdido em passagens
Hoje vejo que nada mais era da minha parte que meras viagens.

Sim, eu chorei e lastimei encostado num canto
Meu pranto foi mudo, nem um sussuro aliado ao fracasso
Eu viajei sim por você fui fraco fui tolo
E hoje eu sonhei que tinha você aninhada em meus braços.